Eu sei que, considerado o chamado “padrão da internet”, posso ter perdido o timming desse assunto. Quem me lê há mais tempo sabe que não escrevo em obediência a padrões abstratos ou etiquetas gerais da web. O que me move é apenas o desejo de expor pensamentos; defender aqueles que considero meus valores fundamentais.
É a partir desse prisma que decidi fazer alguns comentários sobre a operação policial desencadeada pelas autoridades de São Paulo na área da Cracolândia. Não vou tomar muito a paciência de vocês, afinal gente mais gabaritada do que eu já escreveu quase tudo o que havia para ser escrito sobre o tema. Quero apenas tentar lhes chamar a atenção para algumas nuances que não podem passar desapercebidas, acobertadas por um ar de – como chamarei? – “inocência”. Ao trabalho!
Desde logo, quero deixar claro que a idéia da operação em si – isto é, a decisão do Estado de expulsar os viciados da área conhecida como Cracolândia – não apenas é correta (do ponto de vista moral e legal), como também é necessária. Permitir que o tráfico pudesse chegar livremente àquelas pessoas, reunidas de forma a se tornarem presas fáceis para os criminosos, seria admitir que o poder público defintivamente capitulou; rendeu-se aos sabotadores do sistema de liberdades democráticas.
Ora, é óbvio que “apenas expulsar os viciados não é suficiente”, como bem lembraram várias pessoas. O que pretendo afirmar aqui, de forma clara e incontroversa, é que retirar os viciados da Cracolândia era um importante primeiro passo que precisava, sim, ser dado. E vou além: sem ele, nenhuma outra ação de política pública complementar poderia ter qualquer efeito. Retomar aquela área pública e colocá-la, uma vez mais, sob o controle do Estado era indispensável! Sendo assim, as autoridades de São Paulo envolvidas merecem os parabéns pela coragem de tomar tal medida. Prefiro um governo que enfrente a pressão dos “especialistas” por fazer cumprir a lei, do que um que feche os olhos para o problema e, de braços dados com o tráfico, entregue, de modo oblíquo, uma área pública ao crime.
Mas, como dito, é claro que muito mais há que ser feito… E que as autoridades sejam cobradas agora, acerca dos próximos passos, como deve ser dentro de um Estado democrático de direito! Mas, atenção! Que todas as autoridades sejam cobradas, não apenas aquelas cujos partidos são vistos pela elite progressista universitária brasileira como a encarnação do mal absoluto. Em outras palavras, não basta cobrar que os “demotucanos” Kassab e Alckmin recebam os viciados em centros de apoio e recuperação. É preciso, também, cobrar que os políticos de Brasília mudem as leis, autorizando, por exemplo, que se recorra a mecanismos como a internação compulsória – uma medida extrema, como extremos são os efeitos do crack.
Não deixa de ser curioso que os “especialistas” que aplaudem a decisão do governo de Minas Gerais de dar dinheiro aos viciados – numa medida que cria, na prática, uma bolsa-crack! -, sejam os mesmos que acham “desumano” defender a internação obrigatória dos dependentes. Todos, creio, têm as cabeceiras abarrotadas por livros de Foucault…
São os representantes da corrente sociológica que chamo de coitadismo: para eles, os viciados são “doentes”. Eu devo mesmo ser um reacionário, como dizem alguns que aparecem de quando em vez aqui no blog, pois acho que doente é quem pega uma gripe… Quem escolhe entrar no mundo do crack, sinto dizer, deve ser tratado como aquilo que é: alguém que fez uma… escolha! “Mas o crack provoca dependência desde a primeira vez que é fumado!”, poderiam dizer. Ora, mas, ainda assim, foi necessário que alguém escolhesse experimentar aquilo, não? Por que devemos passar a mão na cabeça de quem decidiu arruinar a própria vida?! Aqui, não!
Quem escolheu para si esse caminho não merece bolsa-auxílio do Estado, custeada com o dinheiro de quem escolheu trabalhar e estudar. Isso, meus caros, não é ser reacionário, direitista, conservador ou whatever. Isso é ser sério! O viciado deve ter a chance de sair daquele mundo destrutivo? Claro! Deve receber apoio do poder público para tanto? Evidente! Mas que isso se dê de maneira séria e eficaz, não simplesmente entregando dinheiro que terminará nas mãos dos traficantes.
O mais aborrecido desse episódio todo, porém, é o comportamento delinquente de certa gente que passou ao largo de qualquer civilidade democrática. Pessoas que fizeram da bandalheira e da trapaça intelectual suas bandeiras, decidiram aproveitar a operação na Cracolândia não para debater o drama dos viciados, ou as medidas complementares necessárias para solucionar, em definitivo, o problema das drogas. Que nada! Em vez disso preferiram ultrajar pessoas e vilipendiar a própria essência da democracia.
Me refiro aos que criaram essa coisa teratológica chamada de “Churrascão da gente diferenciada – versão Cracolândia”. Os revolicionários de sofá decidiram, entre uma sessão e outra de cafuné materno, que fazer piada com o drama de seres humanos era a melhor forma de atacar Alckmin, Kassab e demais desafetos políticos. A coisa toda só não é mais ridícula, porque trágica. Notem: o ~~protesto~~ deles contra a desocupação da Cracolândia só pôde ser realizado na Cracolândia depois que o aparelho de segurança do Estado… desocupou a Cracolândia. Mas é fascinante! Essa gente, que se vale de viciados para desenvolver suas “teses” político-ideológicas, só teve a chance de atacar o Estado graças à ação do… Estado! Parabéns a todos os envolvidos. Mesmo!
São os defensores do direito que o ser humano tem de viver como um zumbi, entregue ao vício e rastejando em pocilgas a céu aberto. Para esses humanistas do crack, o governo “higienista e fascista” de São Paulo não deveria desocupar a Cracolândia. Que nada! Para eles, os viciados deveriam continuar lá, exercendo sua “liberdade” de passar os dias e as noites em lugares como esse:

Uma das "moradias" de onde o Estado fascista de SP decidiu retirar os viciados.
Há outras imagens da Cracolândia que vocês podem ver. Servem para que se possa ter uma idéia de como era esse paraíso algo woodstockiano, que uma bela fatia do moderno progressismo brasileiro adorava ver nas mãos de traficantes e viciados. “É sujo mas é do povo!”, devem pensar…
Felizmente, na vastidão de conteúdo típica da internet é possível encontrar também gente decente que não apóia essa patacoada de churrasco na Cracolândia. Que bom! É reconfortante saber que pessoas de bem não têm medo de confrontar aquilo que é evidente mau e milita contra os alicerces do sistema de liberdades individuais. Parabenizo os responsáveis pela iniciativa e os convido a não capitular: é preciso lutar o bom combate, como bem lembrou São Paulo, o apóstolo.
O efeito mais danoso dos que escolhem fazer piada com a desgraça humana, porém, é outro. A redução do debate a um evento estúpido – algo infantilizado – milita contra qualquer argumentação séria que merece ser tecida diante do drama que é o crack.
Em vez de se organizar para, de forma honesta e objetiva, cobrar que o poder público continue trabalhando, inclusive adotando as demais medidas indispensáveis ao acompanhamento dos viciados, preferem usar incapazes como massa de manobra político-eleitoral. Assim, deixa-se de lado pontos que mereceriam atenção de verdade, em troca de promover chavões mentirosos e oportunistas – como se impedir que o tráfico tivesse trânsito livre numa área pública fosse algo fascista.
Não é! Fascismo é tolher de pessoas sua natureza humana, tornando-as instrumento de luta partidária. É isso que faz quem abdica de discutir sobre fatos concretos e prefere fazer “churracos” organizados via Facebook. É esse comportamente, flagrantemente contrário à democracia e às liberdades, que é e será sempre combatido aqui.
Espero que o debate em torno da questão das drogas – em geral – e do crack – em particular – se dê num nível mais elevado, onde se discutam políticas públicas, ações de governo e as necessárias reformas no arcabouço legal brasileiro. As falhas e faltas do poder público – e as há aos montes! – devem ser apontadas de maneira clara, a fim de tornar produtiva qualquer discussão. Não em tom de chacota, desrespeitando seres humanos tolhidos de seu juízo perfeito.
E que se ressalte uma vez mais, a fim de que não restem quaisquer dúvidas: todo e qualquer debate sobre o tema só será possível porque o Estado, por meio de suas autoridades democraticamente instituídas, teve a coragem de dar o primeiro e indispensável passo: reconquistar o espaço público. Isso merece aplausos. Sempre!
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